Escrevendo sobre escrever IV

   


 Há muitas formas de contar histórias. Possível fosse, lançaria mão de todas elas. Já realizamos - e realizaremos ainda mais - peças teatrais adaptadas dos livros, através do Grupo Revel de Teatro Fantástico. As peças teatrais funcionam magnificamente e me permitem captar, durante toda a apresentação, o que o público está sentindo e, ao término do espetáculo, é possível quantificar a satisfação dos convidados. Isso é magnífico. A resposta do trabalho está ali. Ao ver meu texto ganhando vida através da interpretação, o público reage de imediato e, enquanto eles me assistem, eu os assisto. Isso, para mim, é simplesmente... vital. Adoro adaptar os textos para as peças e interpretar. Escrever livros, porém, é ir além. Se, por um lado, é possível ver facilmente as mirabolantes coreografias de combate nas peças, por outro, através dos livros, é possível imaginar e dar seu toque pessoal a tudo. Já mencionei isso em outro artigo e aqui dou um passo a mais sobre quintal da imaginação.

    Quando o leitor mergulha numa página, ele abre seus portões e se permite ser tocado pelas palavras; ser conduzido por elas em seu próprio terreno mágico. As palavras do escritor constroem neste terreno do leitor. É um momento de muita intimidade.
  
    Palavras estimulam sensações. São poderosas. Tocar a mente de alguém é muito mais  íntimo do que tocar seu corpo, embora em nossa cultura tenhamos aprendido a preservar, enormemente mais, a intimidade do corpo. Não permitimos, por exemplo, que um inimigo toque nosso corpo, mas o aceitamos dentro de nossa mente, quando dedicamos pensamentos e planejamentos contra eles; o que gera sentimentos nocivos, até. Em alguns casos nosso inimigos possuem, inclusive, consciência de nos afetarem desta maneira, já que o contrário talvez justificasse o penoso exercício mental e a permissão de os aceitarmos ali.

    O corpo é somente a casca. A mente está muito mais próxima de quem somos de verdade. Talvez por saber, inconscientemente que seja, que somos muito maiores do que imaginamos - não uma gema e sim um sol -, não temamos esta intimidade na mente e, a ausência de medo deste contato, expande nossos horizontes. Quem sabe seja esta a razão de sermos mais fortes na mente e não no corpo? 

    A mente é mais forte do que o corpo. Aprendemos que o corpo afeta a mente, e não discordo, mas a mente afeta o corpo significativamente mais. Isso para mim é fato. A mente processa possibilidades com uma facilidade muito maior, possuí uma flexibilidade gigantesca, em nossos faz-de-conta, beirando o infinito. E, ao meu ver, com o exercício certo, pode ir além do infinito. 

   A intimidade na mente talvez não seja temida por sabermos, novamente sem termos plena consciência, que apesar de a mente estar mais próxima de quem realmente somos, ela não é, ainda, quem realmente somos. 

  O fascínio de um escritor é tocar a mente de alguém através da sua e fazer alguma diferença neste vasto quintal da imaginação. 

    O acesso restrito ao corpo conferiu a ele o poder de afetar bastante nossa mente. Tocar a mente, de forma considerável, no entanto, é um desafio muito maior, por ser um espaço igualmente maior, embora a satisfação do sucesso possa ser de igual proporção, afetando, através dela, quem realmente está por trás de tudo isso e, por consequência, ampliar as perspectivas acerca de seus corpos menores - o físico e o mental. 

    Chame de alma, ou como desejar. O que importa é que, através destas palavras, você perceba que nem sempre percebe o verdadeiro você, além do seu corpo físico e, muito menos, além de sua poderosa mente tagarela. 

   A mente gerencia tudo com uma preocupação exacerbada, na maioria dos casos, pois foi assim que aprendemos a sobreviver e sermos aceitos. 

    Não tento ofender mente alguma com este artigo. Pelo contrário. Não fosse fascinado pelo plano mental, não escreveria. Tento apenas me lembrar que escrever é, também, um exercício da mente e, lembrando de quem se exercita através dela, e do corpo físico, me lembro de quem sou e de quem faço-de-conta ser... incluindo o escritor.




Um comentário:

  1. "O fascínio de um escritor é tocar a mente de alguém através da sua e fazer alguma diferença neste vasto quintal da imaginação."

    Dá pra parafrasear o excerto como a capacidade de transformar, transtornar, incomodar, tirar do lugar, fazer o concreto ausente, concretizar o abstrato... Concordo com essa sua visão, Willian, afinal, já te disse o quanto Ônix me tirou do lugar e me deu novas perspectivas.

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