Escrevendo sobre escrever V

      
    Já mencionei isso antes, noutros tempos e repito: Escrever é como preparar um prato. Você pode até usar  um ingrediente ou outro que quase ninguém, ou até mesmo ninguém, tenha usado. Ou, ainda, que não tenha sido usado na medida usada por você e nem com as combinações feitas com os outros ingredientes escolhidos. Ser original, no conceito real da palavra, no entanto, me parece pouco provável.
   Tempos atrás, numa destas redes sociais, já praticamente abandonada, um jovem escritor perguntou, numa comunidade de literatura fantástica, se valia à pena escrever sobre um tema já abordado. As respostas eram desanimadoras, vindas de escritores ditos mais experientes. Um deles, corroborando os argumentos dos outros, decretou: "Se não for para escrever algo original, não escreva."
    Fui o único a lembrar ao rapaz que ninguém escreve sem ter sido influenciado e isso, por si só, prova que a originalidade é praticamente impossível, principalmente nos dias de hoje. Mencionei algo sobre ser muito fácil perceber, num livro, elementos de outros, escritos antes dele e já consagrados. E qualquer escritor que admira qualquer escritor de renome, não poderia negar isso. E, sem admirar qualquer outro escritor, ninguém se torna escritor. Isso é fato.
    Minha reposta era para encorajá-lo a escrever. Ele provavelmente teria algo a acrescentar sobre qualquer tema, nem que fosse o seu tempero pessoal, o que poderia fazer significativa diferença. Ao meu ver, é assim que nascem  os grandes escritores, inspirando os novos e por aí vai.
    Citei, no tópico da comunidade em questão, um artigo que havia escrito na mesma semana no blog da primeira versão do meu primeiro livro, Ônix. O artigo se chamava Quem você pensa é? e era extremamente pertinente ao assunto. Ônix Pedra-Negra, o protagonista do livro, havia se inspirado em heróis do passado-esquecido (nossos tempos atuais, uma vez que ele estava num possível futuro) e, a partir disso, viveu a própria aventura.
    O administrador da comunidade, um dos que havia deixado um recado desanimador, pediu para que eu fizesse propaganda do meu blog no lugar específico da comunidade. Não me dei ao trabalho de responder. Ou deixei apenas um smile sorrindo lá para ele. Não estou bem certo se fiz isso ou apenas pensei em fazer. Acho que minha resposta o havia irritado não por mencionar meu blog e sim por lembrar a ele de pontos que são, quase sempre, convenientemente deixados de lado, em prol do ego dos, assim ditos, escritores profissionais. A auto ilusão está sempre a flertar com os egocêntricos e é faceira.  Foi o fato de não perceber que a imagem na água era só um reflexo que matou narciso.  Tudo é um reflexo de tudo.

    Minha intenção lá naquele tópico, daquela comunidade, daquela rede social, é a mesma destes artigos: encorajar. 

    Existe um troço chamado talento, que não se ensina em curso ou faculdade. Para aprimoramento, desenvolvimento, sempre há espaço, mas, lembre-se: quem tem talento pode aprender técnicas, mas quem tem técnicas jamais poderá aprender talento. O talento é inerente, embora possa se esconder, acuado dentro de você. E não sem razões. Nos artigos anteriores deixo claro as dificuldades para escrever, mas, de todas elas, a maior é, definitivamente, a insegurança de se expor.
   Enfrente a insegurança, você aí que quer escrever. Prove pratos dos novos Chefs, você aí que aprecia alimentar a mente.
  
   A escrever, aprendi o básico nas escolas públicas nas quais estudei. E nem dei o valor correto na época. Nunca fiz curso de artes cênicas e nem de artes plásticas. Sou auto didata em tudo o que faço. Meus diplomas estão espalhados pelo mundo e me são entregues das mais variadas formas. Tenho orgulho disso, para desespero de alguns amigos.
    Me lembro de uma senhora tímida na multidão de uma das muitas cidades de Minas Gerais nas quais apresentei a peça Ônix - revelações - AtoII. A cidade era Brasilândia de Minas, para ser mais exato. A senhora acompanhava tudo com vívida atenção e talvez nunca  tivesse assistido a uma apresentação teatral antes. Na cena onde Ônix flerta com Mégane, a senhora sorriu com muita sinceridade e satisfação, exibindo seus dois únicos dentes superiores. Nenhuma beca ou tubo revestido de papel camurça substituí isso. 

     A senhora provavelmente nunca tinha assistido uma peça teatral e eu poderia ter caído em ciladas de uma mente insegura, gastando energia em tentar deduzir se a satisfação dela se devia a este fato ou, se a peça era realmente boa. Não fiz isso, porém. Aquela foi uma das últimas apresentações que fizemos naquele semestre. Um simples comentário, de uma outra pessoa, já havia me dado segurança suficiente para continuar. 
    Era meu segundo fim de semana de viagens, quando me questionava se todo o esforço valia à pena. Estava num restaurante em São Thomé das Letras,  após a apresentação da mesma peça mencionada acima. A apresentação tinha sido muito bem recebida, mas já havia entendido que todas as viagens seriam extremamente passíveis de pouco tempo para dormir, devido às bagunças do resto da equipe, que ia além do teatro e do circo; além de uma alimentação precária devido ao meu vegetarianismo, para o qual os prefeitos das cidades nem sempre estavam preparados para lidar, dentro do que ofereciam de estrutura. Em Brasilândia de Minas, por exemplo, fomos deixados no meio do nada, em frente a uma pequena sede de alguma pequena instituição, onde a comida era simples e focada na carne. Me recordo de olhar ao redor meia hora antes de iniciarmos, com toda a estrutura montada, e me perguntar pra quem apresentaríamos naquele fim de mundo, até ver, ao longe, um ônibus, dois, três, quatros, muitos... em fila, trazendo as pessoas das periferias da cidade. Quando as portas se abriram, de cada ônibus desceram mais de setenta pessoas, e fomos cercados por uma multidão instantânea. A senhora dos dois dentes entre eles. 
    Das apresentações, da camaradagem, das fugas da cidade grande, dos aplausos,  tenho saudade, mas, da privação do sono e da fome não tenho. Como dito, na segunda semana de viagens eu já havia percebido, e alguém mais antigo havia confirmado, que estar num restaurante como aquele de São Thomé das Letras, com muitas opções para o prato, seria raro. Suspirei fundo, me perguntando se suportaria isso em prol da arte, quando uma mulher de descendência japonesa veio até mim e perguntou se o texto da peça era meu e, mediante a confirmação, apertou minha mão com força e disse que viajava muito e que já havia visto muitas peças na vida, mas nenhuma tão boa quanta a minha. Na época o livro sobre Ônix era um sonho distante e aquela mulher reforçou minha vontade de concretizá-lo, além de minha convicção em continuar as viagens. Nada disso teria acontecido se eu não tivesse me exposto um pouco.
    Através das artes plásticas,  perdi a conta dos elogios. A escultura está ali, pronta. O tempo para conferir se ela é boa ou não, diferentemente de um livro ou  peça teatral, é mínimo. Cada elogio, nascido após segundos de análise, justificava as horas gastas para dar vida à peça.
    Através dos livros, no entanto, é como acredito realmente tocar mais profundamente as pessoas. As limitações de escrever são muitas, mas o poder ilimitado de criar um mundo, nos mais ricos detalhes, dos menores aos maiores, mediante, única e exclusivamente, à vontade do escritor, não se compara.
    
   Escrevam mais. Leiam mais. As duas opções lhes farão ampliar a visão do seu mundo e da consciência que você tem sobre você mesmo. E isso é inestimável.

    Para quem ainda não leu o artigo citado acima, ou para quem quer reler, é um baita complemento de tudo o que foi escrito aqui: "Quem você pensa que é?"

    Para conhecer mais sobre as obras do Novo Tempo e sobre mim, que as escrevo, explore o índice de publicações. Hasta!

William Morais

3 comentários:

  1. Bicho, faço das suas palavras as minhas. As dificuldades são inúmeras, mas cada elogio sincero faz tudo isso valer a pena.
    Achei interessante essa abordagem sobre "se expor". Eu sempre achei que o que uma pessoa escreve, fala um pouco sobre como a pessoa é. Mas, nunca pensei por esse lado... do medo de expor suas ideias colocadas no papel. E, pensando bem, diversas vezes já fui assolado por esse medo de me expor.
    Acredito que, além de talento e técnicas, há também a perseverança. Se a pessoa tem talento, mas não tem a vontade para seguir em frente, é um talento que ficará "acuado" (como você mesmo disse).
    Excelente publicação.

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    1. Valeu pedro, meu chapa. Seus comentários são sempre um destes incentivos que tanto aprecio. Hasta!

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  2. Willian, há muito me preocupei sobre a questão de originalidade em minhas tentativas literárias de escrever, e aqui me deparo com um tranquilizador do qual me lembrarei sempre que tomar a caneta ou o teclado nas minhas mãos errantes de pseudoliterato... Se paramos pra refletir, percebemos que o difícil mesmo é conseguir, de fato, copiar alguém. Cada um de nós escreve tendo por base seu próprio mundo, suas próprias experiências e extraindo com "absolutitude" palavras limitadas por seu próprio "Eu", então, mesmo que escrevamos sobre um mesmíssimo e recorrente tema, cada produto desses nascerá sob um ponto de vista potencialmente original (formado por outros produtos originais, que também foram formados de outros originais...). Ninguém reflete e pensa igual. Sou da opinião de que um livro lido por mil pessoas é, na realidade mil livros. Este artigo é um remédio e tanto para aqueles que sofrem com os sintomas da Originalite Crônica, e, anestesicamente, terminam por deixar que isso prejudique suas crias artísticas, ao invés de alimentá-las.

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